Avanços para pecuária
UFPel desenvolve primeira vacina recombinante do país contra botulismo
Produto para uso veterinária já foi patenteado e a tecnologia transferida à multinacional; descoberta é resultado de tese de doutorado
Carlos Queiroz -
O programa de pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) é destaque nacional pela quarta vez. Foi dali, do laboratório de Imunologia Aplicada, que surgiu a primeira vacina recombinante do Brasil para uso veterinário contra botulismo; uma doença rara, mas que pode dizimar rebanhos inteiros em intervalos de até 72 horas. O produto já foi patenteado e a tecnologia foi transferida à multinacional, com sede em São Paulo. A descoberta é resultado de tese de doutorado e foi para final do Grande Prêmio Capes.
A expectativa é de que em dois anos a imunização esteja, efetivamente, no mercado brasileiro e internacional. Neste momento, os pesquisadores da UFPel mantêm contato permanente com técnicos da Biovet Vaxxinova, para que a vacina desenvolvida em volumes de até sete litros e testada em bovinos e búfalos, agora possa ser produzida em larga escala com os mesmos resultados. E as vantagens não são poucas. O controle sobre a eficácia das doses é a principal.
"O nosso foco era a qualidade da vacina", destacam o autor da tese, Clóvis Moreira Júnior, e o orientador Fabrício Rochedo Conceição. Outros três pontos positivos também podem ser comemorados: a simplificação do processo de produção, a redução de custo se comparado aos toxóides convencionais disponíveis no mercado e a ampliação da segurança durante a produção, já que a tecnologia utilizada - através de engenharia genética - não envolve o uso da toxina botulínica; altamente perigosa (veja mais detalhes na arte).
A vacina encerra um ciclo de 12 anos de estudos, desde que o professor Fabrício Conceição passou a se debruçar sobre o tema. E o melhor: com os resultados, a Biotecnologia acaba por cumprir sua função: gerar produtos, processos e serviços para sociedade.
De carona, vêm mais estudos pela frente
O contrato firmado com a multinacional deverá fomentar ainda mais estudos. Os valores, não revelados, serão divididos em três parcelas. A primeira, já liberada, foi encaminhada à administração central da UFPel, mas com destino específico à área de pesquisa e tecnologia. A segunda parte está condicionada à obtenção de registro da vacina junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento (Mapa) e será enviada diretamente ao Centro de Desenvolvimento Tecnológico, onde está o lotado o Núcleo de Biotecnologia. Já a terceira e última parcela, direcionada aos inventores, só será repassada quando o produto estiver apto a comercialização.
Detalhe: a UFPel irá receber 5% de royalties, durante dez anos, a cada dose vendida. E o cenário é altamente favorável. Somente no Brasil são cerca de 200 milhões de bovinos, que precisam ser imunizados de seis em seis meses. Daí a importância de a vacina chegar ao mercado por preços que fiquem abaixo de R$ 1,00. Do contrário, os criadores deixam de proteger os rebanhos. E é o que promete o produto desenvolvido em Pelotas, que possui um processo simplificado de produção.
Foi um convite, portanto, ao interesse da Biovet Vaxxinova, que adquiriu equipamentos, ampliou equipe e realizou adequações em parte da planta industrial para poder dar início aos experimentos em larga escala.
Saiba mais
* O que é o Botulismo?
É uma doença de evolução aguda e não transmissível.
A bactéria Clostridium Botulinum é difícil de ser eliminada por duas razões:
1) Pode estar, inclusive, no sistema digestório dos animais. É, então, eliminada nas fezes e produz esporos, que são uma forma de resistência à radiação, à falta de água e a condições adversas.
2) Como uma bactéria anaeróbica, que se multiplica em ambientes de falta de oxigênio, surge com força também em caso de morte e a toxina fica alojada nos ossos. Outros animais, com deficiência de cálcio e de fósforo, podem acabar roendo esses restos.
Atenção: A toxina também poderá ser ingerida através de alimentos contaminados com a bactéria: rações, silagem e água. Isso porque a Clostridium Botulinum poderá se proliferar com a morte de animais menores, como aves e ratos, não apenas do gado. É quando, geralmente, ocorrem os surtos que atingem rebanhos.
* Por que a vacina desenvolvida na Biotecnologia da UFPel é melhor?
Nas convencionais, que já existem à disposição no mercado, há o cultivo da bactéria que produz a toxina botulínica. É preciso, então, separá-las, o que representa risco para os manipuladores. Detalhe: é uma neurotoxina; uma das mais potentes da natureza e altamente letal. Pequenas doses são suficientes para provocar o quadro de botulismo.
Para piorar, os custos de produção são elevados. O prazo até obter a inativação da toxina - que permita o uso sem riscos aos animais que irão receber a vacina - pode chegar a até dois meses. Só após vários testes com camundongos, que comprovem o enfraquecimento da toxina, é que as doses podem ser levadas ao mercado. E mais: durante o período de testagens, o tanque que mantém o antígeno (a toxina) pode degradar.
Resumindo: a produção convencional é demorada, complexa e perigosa, com diferentes níveis de qualidade entre os lotes. E por quê? Porque a bactéria Clostridium Botulinum produz quantidades variadas de toxina e, além de possuir rendimento incerto no número de doses, também tem eficácia distinta, com variações na geração de anticorpos.
Qual o diferencial da vacina desenvolvida pela Biotecnologia?
A equipe decidiu produzir uma toxina recombinante. Recorreu portanto, à engenharia genética. Para isso, os profissionais pegaram parte do gene da toxina botulínica e transferiram para uma bactéria de fácil cultivo, que não é patogênica. A Escherichia coli, comum no intestino de vários animais - inclusive do ser humano -, transformou-se, então, em bactéria hospedeira; um processo mais rápido e mais seguro.
A toxina botulínica é uma molécula enorme. É uma proteína dividida em três partes bem definidas:
- Uma tóxica, que causa a lesão, mata a célula e gera a doença;
- Outra que faz a toxina entrar para célula;
- Uma terceira parte reconhece o receptor da célula-alvo. É uma parte 100% atóxica.
A equipe voltou o foco, portanto, apenas a essa porção atóxica. Com a tecnologia implementada, a Escherichia coli decodifica este DNA: pega a informação e produz a proteína, mas apenas a parte da molécula que não provocará a doença. Quando o animal receber a vacina, gerará anticorpos contra esta terceira porção. Em caso de ingerir a toxina da natureza, os anticorpos detectam esta terceira porção e impedem que a toxina reconheça o receptor. Bloqueia o acesso. A toxina é impedida de se ligar à célula-alvo, do sistema nervoso do animal.
A vacina irá combater os sorotipos C e D. A projeção é de que possa render de cem a 500 doses por litro.
Em grupo: Além do orientador Fabrício Rochedo Conceição e de Clóvis Moreira Júnior, também integram a equipe Felipe Salvarani, Gustavo Moreira, Carlos Eduardo Cunha e Marcos Roberto Ferreira.
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